OS Caranguejos
É muito curioso o que se diz do caranguejo pela expressão de algumas locuções
populares: "Perdeu a cabeça por causa de camaradas; não morre enforcado, porque
não tem pescoço; e por morrer um caranguejo não se cobre o mangue de luto"; e o
povo diz ainda que "o caranguejo só é gordo nos meses que não têm R: maio,
junho, julho e agosto". Essas informações são dadas incompletas pelos
pescadores, dizendo sempre ter ouvido, quando meninos, muitas estórias de
caranguejos esquecidas depois. Alguns pescadores dos mangues contam lendas e
superstições sobre os crustáceos.
Uma das lendas diz que os caranguejos são governados por uma espécie de rei, um
caranguejo cujo casco mede uns vinte centímetros e tem patas enormes. Chamam-no
de garrancho. É um crustáceo esverdeado, misterioso, dificilmente visto. Vive no
fundo da lama, num buraco muito profundo, com a entrada escondida. Nenhum
pescador de mangue o vê duas vezes na vida. O garrancho só deixa o buraco para
sair uma vez por ano, à meia-noite da Sexta-Feira da Paixão. Anda até o primeiro
cantar do galo. Volta, mete-se em casa e não há mais quem o enxergue. Quem
conseguir arrancar ao menos uma pata ao garrancho está com a vida garantida,
porque nunca mais lhe faltará caranguejo, siri ou goiamum. Basta trazer a pata
do garrancho no bolso e riscar com ela na lama do mangue.
Havia um pescador que dizia que era mentira quando se afirmava ter visto o
garrancho ou conseguido uma patinha para dar sorte. Ele havia prendido um,
enorme na gamboa da Garatuba Grande, amarrara-o com uma embira num galho de
mangue e ao voltar encontrara o cipó intacto, com o mesmo nó e do garrancho nem
rasto. Este é o crustáceo que tem a figura de uma moça encantada no casco, muito
mais nítida e perfeita que seus vassalos. E tem também a cruz, bem clara. Por
isso sai no dia em que a cruz se ergueu com o Salvador. Essa tradição do
caranguejo com uma cruz, tem registo velho e área geográfica de crendice bem
longe dos mangues do Rio Grande do Norte. São Francisco Xavier atirou ao mar,
perto das Molucas, na Oceania, seu crucifixo para acalmar uma tempestade. Um
caranguejo susteve o crucifixo no casco e entregou a relíquia ao santo, quando
este desceu na primeira praia. Como lembrança ficou uma cicatriz cruciforme no
casco.
No dia do Domingo de Ramos, na Semana Santa, há uma Procissão de Caranguejos.
Dizem que os caranguejos faziam, igualmente, sua procissão de Ramos. À noite
desse domingo, saíam de patas erguidas, sustendo raminhos de mangue.